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Direitos da Personalidade na Era Digital

Direitos da Personalidade na Era Digital

Por Rubens Lacerda (Professor de Direito Civil da FACCON)

 

Na era digital em que vivemos, o advento das tecnologias da informação e comunicação trouxe consigo novos desafios no que diz respeito aos direitos da personalidade. A sociedade contemporânea está cada vez mais conectada e dependente da internet e das redes sociais, o que levanta questões sobre a privacidade, a imagem, a reputação e outros aspectos da personalidade humana. Neste texto, exploraremos os direitos da personalidade digital e sua proteção.

Os direitos da personalidade são inerentes a todo ser humano e visam assegurar a sua dignidade, integridade física, moral e psíquica. Com o avanço da internet, novos elementos foram acrescentados a esses direitos, resultando nos direitos da personalidade digital. Essa evolução reflete a necessidade de proteger o indivíduo no contexto virtual, preservando sua identidade e sua autonomia.

A pessoa digital, também conhecida como identidade digital, refere-se à representação online de um indivíduo na era digital. É a imagem e a presença virtual de uma pessoa, construída através de suas atividades, informações e interações na internet.

Com o avanço da tecnologia e a proliferação das redes sociais, plataformas online e meios digitais, a pessoa digital tornou-se uma extensão importante da identidade pessoal. Ela engloba diversos aspectos, como perfis em redes sociais, contas de e-mail, publicações, comentários, fotos e vídeos compartilhados, entre outros conteúdos gerados pelo indivíduo ou relacionados a ele na internet.

A pessoa digital desempenha um papel significativo na vida cotidiana, uma vez que pode influenciar a forma como os outros nos percebem, afetar oportunidades de emprego, relacionamentos pessoais e até mesmo a reputação geral. É importante ter consciência de que as informações e atividades online podem ser acessadas e interpretadas por diferentes pessoas, inclusive empregadores, instituições acadêmicas, parceiros comerciais e até mesmo desconhecidos.

É essencial gerenciar cuidadosamente a personalidade digital, considerando os seguintes aspectos: privacidade e segurança, reputação digital, gestão de identidade, direitos e responsabilidades.

Isso demonstra a importância gerenciar conscientemente os dados referentes à identidade digital, considerando a privacidade, a segurança, a reputação e os direitos e responsabilidades.

No que diz respeito à privacidade, esse é um dos alicerces fundamentais dos direitos da personalidade digital. Em um mundo cada vez mais conectado, a exposição de informações pessoais na internet pode ser inevitável. No entanto, é necessário garantir que essa exposição ocorra de maneira consciente e controlada pelo titular dessas informações.

Temos que observar também as questões relacionadas à reputação, pois esse é um aspecto essencial da personalidade digital. Com a facilidade de disseminação de informações na internet, um dano à reputação pode ser irreparável. Nesse sentido, o direito ao esquecimento tem sido objeto de debates e discussões.

O direito ao esquecimento foi reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em alguns casos específicos, estabelecendo que em situações excepcionais é possível solicitar a remoção de informações da Internet quando elas violarem direitos fundamentais da pessoa.

No entanto, é importante equilibrar o direito ao esquecimento com outros princípios, como a liberdade de expressão e o interesse público. Há casos em que a remoção de informações pode entrar em conflito com o direito à informação e a história coletiva.

Já a desindexação de informações pessoais sensíveis dos mecanismos de busca e redes sociais se refere à exclusão de links em buscadores online. A jurisprudência brasileira tem reconhecido essa proteção em casos nos quais a permanência de determinadas informações cause danos desproporcionais à pessoa envolvida.

Existe jurisprudência no Supremo Tribunal de Justiça (STJ) sobre o tema, mas sem uma resposta definitiva. O caso mais conhecido é a ação que Xuxa Meneghel moveu contra o Google, em 2010.

Ainda no campo dos direitos da personalidade, temos o debate sobre a proteção da imagem no ambiente digital. Pois, a facilidade de compartilhamento de imagens e vídeos nas redes sociais levanta desafios para a proteção desse direito.

O Código Civil brasileiro, no seu artigo 20, estabelece que a imagem é inviolável, garantindo o direito de autorização prévia para sua divulgação. Isso significa que a reprodução ou uso não autorizado de imagens de uma pessoa em meios digitais pode configurar uma violação dos direitos da personalidade. É imprescindível que haja consentimento prévio para a divulgação de imagens em meios digitais, garantindo o respeito à dignidade e à privacidade das pessoas envolvidas.

A privacidade, a autodeterminação informativa, a reputação e a imagem são aspectos essenciais que demandam uma atenção especial diante das novas tecnologias e da disseminação de informações na internet. Trata-se do direito de cada indivíduo decidir como suas informações pessoais são coletadas, armazenadas e utilizadas por terceiros.

No Brasil, a legislação sobre o tema ainda se mostra insuficiente em relação às demandas exigidas por nossa sociedade. Mas já demos passos importantes no âmbito legal para melhor abordar a dinâmica e manuseio de dados pessoais no meio digital, com o objetivo de proteger direitos fundamentais.

O Marco Civil da Internet, oficialmente conhecido como Lei nº 12.965/2014, é uma legislação brasileira que estabelece princípios, direitos e deveres para o uso da Internet no país. Ele foi sancionado em 23 de abril de 2014 e entrou em vigor em 23 de junho do mesmo ano, com o objetivo de regular os direitos e responsabilidades dos usuários, empresas e do Estado no contexto da Internet no Brasil.

O Marco Civil da Internet possui três pilares fundamentais: a) neutralidade da rede: o princípio da neutralidade da rede estabelece que os provedores de acesso à Internet devem tratar todos os dados que trafegam na rede de forma igualitária, sem discriminação ou priorização de conteúdos, serviços ou aplicações; b) privacidade e proteção de dados: o Marco Civil da Internet garante a privacidade dos usuários e estabelece diretrizes para a coleta, armazenamento e utilização de dados pessoais; c) responsabilidade dos intermediários: a lei define a responsabilidade dos provedores de serviços da Internet, como provedores de acesso, provedores de hospedagem e plataformas online, em relação aos conteúdos gerados por terceiros.

Além desses pilares, o Marco Civil da Internet também estabelece direitos dos usuários, como a liberdade de expressão, a garantia do acesso à informação e a proteção da inviolabilidade da intimidade e da vida privada. Vale ressaltar que o Marco Civil da Internet foi pioneiro ao ser uma das primeiras legislações no mundo a tratar de forma abrangente os direitos e responsabilidades relacionados à Internet. Ele tem sido referência internacionalmente e serviu de inspiração para outras legislações em diferentes países.

Já a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), Lei n° 13.709/2018, regulamenta a proteção de dados pessoais e estabelece diretrizes para o exercício da autodeterminação informativa. A LGPD define o que são dados pessoais e estabelece princípios, direitos e deveres para o tratamento desses dados por organizações públicas e privadas. Ela exige que as empresas obtenham o consentimento dos titulares dos dados, informem claramente a finalidade do tratamento, garantam a segurança das informações e forneçam meios para que os indivíduos possam acessar, corrigir e excluir seus dados.

A lei também prevê sanções em caso de descumprimento, incluindo advertências, multas, suspensão das atividades de tratamento de dados. A LGPD foi inspirada por regulamentos internacionais, como o Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR) da União Europeia, e tem como objetivo alinhar o Brasil às melhores práticas globais de proteção de dados.

Em suma, a proteção dos direitos da personalidade digital é um desafio complexo e em constante evolução. A legislação, a jurisprudência e o debate acadêmico são elementos-chave para a compreensão e o aprimoramento desses direitos. É necessário promover uma cultura de respeito à privacidade, à reputação e à imagem no ambiente digital, assegurando a integridade das pessoas e sua dignidade na sociedade contemporânea.

Referências:

HUPFFER, Haide Maria; PETRY, Gabriel Cemin. (Des)Controle digital de comportamento e a proteção ao livre desenvolvimento da personalidade. International Journal of Digital Law, Belo Horizonte, ano 2, n. 1, p. 111-132, jan./abr. 2021. DOI: 10.47975/IJDL/1hupffer

LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.

MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. Editora Atlas, 2020.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.

TARTUCE, Flávio. Direito Civil – Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil. Editora Método, 2019.