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O direito intertemporal constitucional e os seus fenômenos

O direito intertemporal constitucional e os seus fenômenos.

Por Caroline Queiroz,  Professora de Direito Constitucional da Faccon.

O direito intertemporal tem como foco principal as consequências provenientes da entrada em vigor de uma nova Constituição e o impacto desse novo documento em normas jurídicas constitucionais pretéritas e nas infraconstitucionais. De início, é crucial recordar que o nosso sistema jurídico é escalonado e hierarquizado, estando a Constituição no topo da ordem jurídica, funcionando como fundamento de validade para todas as demais normas. Essa característica de norma superior hierárquica é importante para entender os fenômenos que serão destacados no presente texto.

Quando um novo diploma constitucional entra em vigor, fruto do trabalho do poder constituinte originário ( poder que cria uma nova constituição), o ordenamento jurídico anterior sofre imediatamente um impacto. Isso porque, com o advento do novo documento constitucional, teremos uma revogação global e integral da Constituição anterior. Tal revogação vai caracterizar a perda da vigência e da eficácia do diploma normativo anterior.  Isso acontece diante da impossibilidade de convívio entre duas ordens constitucionais originárias distintas, logo, com a entrada em vigor de uma nova constituição, nada vai sobreviver diante do novo texto magno. Pode ocorrer, todavia, o fenômeno da desconstitucionalização.

Deste modo, a teoria indica que as normas da constituição pretérita que com o novo diploma tenham congruência material ( ou seja, compatibilidade de conteúdo)  poderiam ser mantidas no novo ordenamento jurídico em razão da harmonia entre essas normas. Contudo, só poderiam sobreviver com a entrada em vigor de um novo texto constitucional se houvesse a conversão das normas da constituição pretérita em diplomas infraconstitucionais(norma que está hierarquicamente abaixo da constituição) no ordenamento constitucional precedente. Esse fenômeno da desconstitucionalização pode ser explicitamente adotado pelo poder constituinte originário quando elabora a nova constituição, no entanto, não foi o caso da Constituição Federal de 1988.

O segundo fenômeno é o da recepção das normas infraconstitucionais, a teoria que pode ser analisada da seguinte forma: entrando em vigor uma nova ordem jurídica a constituição anterior será integralmente revogada, porém, é possível que as normas infraconstitucionais(norma que está hierarquicamente abaixo da constituição) possam ser recepcionadas(aceita) pela nova Constituição.  Isso significa que, por serem materialmente compatíveis com o novo documento constitucional, ganham um novo pressuposto de validade e, dessa maneira, estarão na nova ordem jurídica. Ou seja, seu fundamento de validade seria retirado da nova Constituição,  e não da velha. As primeiras constituições republicanas, quais sejam, a de 1891 e a de 1934, realizaram esse fenômeno de forma expressa, mas a Constituição de 1988, assim como as demais, adotaram a recepção tácita. Ademais, essa recepção pode vir a ser discutida no Supremo Tribunal Federal através de uma arguição de descumprimento de preceito fundamental.

Podemos concluir, segundo esses fenômenos, que a ausência de incompatibilidade formal(quando algum dos requisitos procedimentais da elaboração normativa é desrespeitado) não será motivo de impedimento  nos novos diplomas constitucionais, apenas na Constituição que estava em vigor quando da elaboração da norma. Caso venha a ser adotado o  fenômeno da desconstitucionalização, as  normas da constituição anterior que forem materialmente compatíveis com o novo documento perderão seu status de normas constitucionais e  serão  recebidas como normas infraconstitucionais pelo novo documento constitucional. Por fim, no que diz respeito à teoria da recepção, pode-se concluir que as normas infraconstitucionais somente podem ser recepcionadas por uma nova Carta Política quando os devidos requisitos forem preenchidos, sendo eles: estarem em vigor quando do advento da nova constituição; guardarem compatibilidade material e formal com o documento constitucional que estava em vigor quando ela foi editada; e guardarem compatibilidade material com a nova Constituição.

Referências

KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 16. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 13. ed. São Paulo: Método, 2009.

MASSON, Nathalia. Manual de Direito Constitucional. 8. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2020.