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UM DIREITO INTERNACIONAL PARA QUEM? POVO YANOMAMI E A AMPLIAÇÃO DA PROTEÇÃO INTERNACIONAL

 

Por José Antônio Bisneto (Professor da FACCON. Advogado. Presidente da Comissão de Educação Jurídica e Vice-presidente da Comissão de Direito de Família da OAB Arcoverde. Pós-Graduado em Advocacia Cível e em Direito Constitucional. Mestrando em Saúde e Desenvolvimento Socioambiental pelo PPGSDS/UPE).

O Direito Internacional ou Direito das Gentes – assim como alguns doutrinadores costumam chamar – passou, ao longo dos anos, por uma ampliação no que concerne ao seu alcance, seu objeto e seus sujeitos. A pergunta que intitula o presente texto poderia, há algum tempo, não fazer o menor sentido, tendo em vista que a doutrina clássica considerava apenas os Estados e as Organizações Internacionais como sujeitos de Direito Internacional. Contudo, na visão contemporânea, o espectro do Direito Internacional foi ampliado, passando a alcançar, por exemplo, os indivíduos, as Organizações Não Governamentais (ONG’s) e as empresas como sujeitos de Direito Internacional (PORTELA, 2018).

Desse modo, tomando como pressuposto esta visão contemporânea do Direito Internacional, a pergunta que intitula o presente texto faz todo sentido. Como forma de atenção a esse alcance amplo do Direito Internacional, que passou a abarcar os indivíduos como sujeitos, o Brasil e outros países assinaram e ratificaram, no âmbito internacional, o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, que nos termos do art. 1º, diz respeito a uma instituição permanente responsável pelo julgamento de crimes de alcance internacional (BRASIL, 2002). Ademais, o país assinou e ratificou a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, de 1948 (BRASIL, 1952), expandindo o rol de proteção internacional.

O Tribunal Penal Internacional (Tribunal de Haia), conforme dispõe o art. 5º do Estatuto de Roma, tem competência para julgar os seguintes crimes: genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e crimes de agressão que afetem a comunidade internacional (BRASIL, 2002). A razão para a elaboração do referido Estatuto encontra pressuposto nos acontecimentos históricos de graves violações à humanidade que o cenário internacional protagonizou ao longo dos anos, bem como a ampliação do rol de sujeitos e proteção do Direito Internacional.

Mesmo o Brasil estando submetido ao Tribunal Penal Internacional e tendo ratificado o Estatuto de Roma, o qual tem como objetivo principal evitar o acontecimento de atrocidades contra a humanidade e a impunidade dos autores desses crimes, em janeiro de 2023, assistimos atônitos a situação do povo indígena “Yanomami”, no estado de Roraima. Segundo os jornais noticiaram, nos últimos quatro anos o povo Yanomami padeceu de uma ausência Estatal em todos os aspectos (G1, 2023a).

A ausência de ações efetivas por parte do governo anterior fez com que a população adoecesse, havendo um elevando número de mortes nos últimos quatro anos, sobretudo de crianças (G1, 2023b). Por conseguinte, ao menos 21 pedidos de ajuda do povo Yanomami foram ignorados pelo Governo Federal nos últimos quatro anos.

A situação vivenciada pelos Yanomamis fez com que o atual Presidente da República, no dia 30 de janeiro de 2023, decretasse estado de calamidade pública, buscando a proteção das terras e dos povos indígenas da exploração do garimpo e a aproximação das políticas de Estado da região (LOPES, 2023).

Fome, desnutrição, morte, desesperança e abandono foram fatores que estiveram fortemente presentes na vida dos indígenas e nas imagens que estamparam as matérias jornalísticas do Brasil e do mundo no mês janeiro de 2023. O cenário vivido pelos Yanomamis denota a adoção de uma necropolítica como política de Estado. Conforme Steiner e Pereira (2023), a omissão estatal em relação ao povo Yanomami foi sistematizada, tendo como objetivo a destruição e a violação dos direitos fundamentais dos povos indígenas, o que pode ser caracterizado como “crime contra a humanidade”, amoldando-se, portanto, a conduta descrita no art. 7º do Estatuto de Roma, e ensejando a responsabilização internacional.

Caso haja dolo específico, tem-se a possibilidade de o crime ser configurado como genocídio, mas, conforme Steiner e Pereira (2023) lecionam, vai depender da análise casuística e das provas que forem constituídas ao longo do processo perante a jurisdição internacional. Bragato (2023) considera que o dolus specialis, no caso do crime de genocídio, está relacionado com a destruição de um determinado grupo étnico, racial ou religioso, e voltado a produção de um resultado específico.

Diante do exposto, pode-se concluir que, atualmente, o Direito Internacional é feito para todos, e tem por objetivo efetivar as relações estabelecidas perante a sociedade internacional, buscando a paz entre os sujeitos envolvidos. A ampliação da finalidade do Direito Internacional permitiu que este ramo do direito pudesse abarcar outros sujeitos para além dos Estados e das Organizações Internacionais, o que representou uma maior proteção no campo internacional, máxime aos indivíduos e aos Direitos Humanos. Assim, de modo semelhante à proteção conferida no âmbito doméstico do Brasil, a legislação internacional traz consigo o sentido de igualdade entre todos, não permitindo que haja nenhuma violação a direitos, sobretudo no campo dos Direitos Humanos e dos Direitos Humanitários.

Referências

BRASIL. Decreto nº 4.388, de 25 de setembro de 2002. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/d4388.htm. Acesso em: 26 mar. 2023.

PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. Salvador: JusPODIVM, 2018.

Mais de mil indígenas Yanomami em estado grave foram resgatados nos últimos dias, diz secretário. G1. Disponível: https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2023/01/24/mais-de-mil-indigenas-yanomami-em-estado-grave-foram-resgatados-nos-ultimos-dias-diz-secretario.ghtml. Acesso em: 27 mar. 2023a.

BRASIL. Decreto nº 30.822, de 06 de maio de 1952. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/atos/decretos/1952/d30822.html. Acesso em: 26 mar. 2023.

STEINER, Sylvia Helena; PEREIRA, Flávio de Leão Bastos. Extermínio do povo Yanomami e repercussões no direito penal internacional. Diplomatique. Disponível em: https://diplomatique.org.br/exterminio-do-povo-yanomami-e-repercussoes-no-direito-penal-internacional/. Acesso em 27 mar. 2023.

BRAGATO, Fernanda Frizzo. De acordo com a lei pode-se falar em genocídio no caso Yanomami? GZH. Disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/geral/noticia/2023/02/de-acordo-com-a-lei-pode-se-falar-em-genocidio-no-caso-dos-yanomami-especialista-esclarece-cldlvco96003v0157yv6t49bg.html. Acesso em 27 mar. 2023.

Quase 100 crianças morreram na Terra Indígena Yanomami em 2022, diz Ministério dos Povos Indígenas. G1. Disponível em: https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2023/01/21/mais-de-500-criancas-morrem-na-ti-yanomami-e-lula-deve-decretar-estado-de-calamidade-publica.ghtml. Acesso em 27 mar. 2023b.

LOPES, Anna Júlia. Leia a integra do decreto de Lula para os yanomamis. Poder 360. Disponível em: https://www.poder360.com.br/governo/leia-a-integra-do-decreto-de-lula-para-os-yanomamis/.  Acesso em 27 mar. 2023.