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IMUNIDADE PARLAMENTAR

 

ESTUDO DE CASO DO DISCURSO DO DEPUTADO FEDERAL NIKOLAS FERREIRA, NO DIA 08 DE MARÇO DE 2023

1 IMUNIDADE PARLAMENTAR

                  A imunidade parlamentar, ao contrário do que muitos pensam não é um privilégio, mas um conjunto de prerrogativas para assegurar o livre exercício da função parlamentar. O privilégio diz respeito à pessoa, já a prerrogativa é da função.

                  Há duas espécies de imunidade parlamentar: a imunidade material (sobre palavras e votos) e a imunidade formal (processual), dividindo-se esta última em quanto à prisão e quanto ao processo. Nosso foco aqui será apenas na imunidade material.

1.1 – IMUNIDADE MATERIAL

                  A imunidade material consiste na impossibilidade do parlamentar ser responsabilizado penal e civilmente por opiniões, palavras e votos. Tem sua previsão no art. 53, caput, da CF/88: “Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”.

                  Assim, não será o parlamentar obrigado a indenizar danos materiais ou morais, decorrentes de suas palavras, ainda que sejam ofensivas.

                  Segundo o professor Flávio Martins (2021, p. 1324) o parlamentar também não responderá penalmente por suas palavras, não respondendo por crime contra a honra, apologia ao crime, ameaça, racismo e etc. Porém, poderá ser responsabilizado politicamente por suas opiniões palavras e votos, podendo perder o mandato por quebra de decoro parlamentar, conforme art. 55, inciso II, da CF/88.

                 

1.2  IMUNIDADE DENTRO E FORA DO PARLAMENTO

A imunidade material não está restrita às palavras proferidas dentro do parlamento, conforme já consolidado pelo STF. Contudo, a Suprema corte entende que para estar coberto pelo manto da imunidade material, as palavras proferidas pelo parlamentar devem guardar relação direta com a função parlamentar, ou seja, ele deve estar no momento em que as profere, no desempenho do seu mandato. (RE 463.671)

1.2.1  IMUNIDADE ABSOLUTA E RELATIVA

                  Por isso, o STF faz uma distinção: quando as palavras forem proferidas no plenário das respectivas casas (Câmara ou Senado), a imunidade é absoluta (significa que não pode ser afastada em hipótese alguma), não importando o conteúdo das declarações.

                  Quando forem proferidas fora do recinto do parlamento, a imunidade será relativa (podendo ser afastada, caso não tenha relação com o desempenho da função). (inq. 390 e 1710 – STF)

1.3 – IMUNIDADE MATERIAL – CASOS ENVOLVENDO PARLAMENTARES

Quando da votação do processo de Impeachment da Presidente Dilma, o então Deputado Federal Jair Bolsonaro prestou uma homenagem ao Coronel do Exército Carlos Brilhante Ustra. O Partido Verde ajuizou uma representação contra ele, alegando que o parlamentar teria praticado apologia à tortura.  Resumidamente, o então Deputado Jair Bolsonaro não foi responsabilizado criminalmente, porque entendeu-se que ele estava no plenário da casa e coberto pelo manto da imunidade parlamentar material.  Houve uma representação no Conselho de ética da Câmara dos Deputados, por quebra de decoro parlamentar, sendo arquivada por 9 votos a 1. (MARTINS, 2021, p. 1324)

                  Em outro caso analisado pela Corte Constitucional, o Deputado Federal Daniel Silveira foi preso em flagrante, processado e condenado por fazer críticas e ameaças aos Ministros do STF, dentre outros. No caso, a Suprema Corte entendeu que no momento em que proferiu as críticas não estava no exercício, nem em razão da função parlamentar, por isso a imunidade (relativa) foi afastada. Tendo ele sido condenado penalmente. (Fonte: Site do STF)

                  Recentemente, um outro episódio envolvendo imunidade parlamentar chamou a atenção. O Deputado Federal Eduardo Bolsonaro fez críticas ofensivas à também Deputada Federal Tabata Amaral, afirmando em sua conta pessoal do Twitter, que o projeto de lei da congressista sobre distribuição de absorventes íntimos parecia atender e beneficiar os interesses do empresário Jorge Paulo Lemann, dono da Procter & Gamble (P&G), fabricante de produtos de higiene.

                  A queixa-crime apresentada pela parlamentar foi recebida pelo STF, tendo prevalecido o voto do Ministro Alexandre de Moraes, o qual asseverou que “no caso, não se aplica a imunidade parlamentar (artigo 53 da Constituição), pois a conduta do deputado não tem nexo com o exercício da função. Além disso, as declarações foram feitas fora do ambiente parlamentar e constituem ofensas que extrapolam os limites da crítica política, em descompasso com suas funções e deveres de congressista.” (Fonte: site STF).

                  Como se percebe o STF já tem assentado em sua jurisprudência que a imunidade parlamentar relativa, fora do ambiente da casa e sem relação com a função parlamentar, pode ser afastada e, portanto, o parlamentar responderá civil e penalmente por suas palavras e opiniões.

                  No entanto, quando o discurso é proferido no plenário da casa, o Deputado ou Senador estará amparado pela imunidade material no seu sentido absoluto (não podendo ser afastada).

                  O professor Flávio Martins (2021, p. 1326) traz importante elucidação sobre a imunidade material ser absoluta dentro do recinto do parlamento, segundo ele ainda que o congressista venha a proferir discurso de ódio, por exemplo, não deverá ser responsabilizado, posto que a opinião do parlamentar (naquele momento) é muito maior que a de qualquer outro brasileiro.

                  Pois os parlamentares são eleitos para representar a ideologia que os elegeu, ainda que essa ideologia seja repugnante. E finaliza que parlamentares que defendem discursos de exclusão são vistos em todo mundo, contra os imigrantes, os negros, os pobres etc. Podem ser criticados, mas não proibidos.

Todavia, muito embora não possa o parlamentar ser responsabilizado criminalmente, poderá sê-lo politicamente com a cassação do seu mandato (art. 55, II) pela quebra de decoro parlamentar.

                  Desta forma, é possível concluir que as palavras proferidas pelo Deputado Federal Nikolas Ferreira, em que pese terem sido repugnantes para muitos, não ensejam crime, nem dano moral, porque proferidas no interior do parlamento em momento de discurso no plenário da Câmara dos Deputados. Entendo que o STF se pronunciará nesse sentido. Entretanto, poderá ele ser responsabilizado e ter o seu mandato cassado por quebra de decoro.

                  Por fim, parece que a liberdade de expressão do pensamento não é muito compreendida por boa parte da população brasileira, inclusive pelos parlamentares.

 

Givanilson Bezerra de Lima. Analista Judiciário do TJPE. Professor de Direito Constitucional e Processo Penal nos cursos de Direito da Faculdade Conceito Educacional – FACCON.

 

Obra citada: MARTINS, Flávio. Curso de Direito Constitucional. 5ª Edição. São Paulo: Saraiva Educação. 2021