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Até que a morte nos separe? Rotas críticas da violência contra a mulher

Até que a morte nos separe? Rotas críticas da violência contra a mulher
Amanda Maciel Calado. Psicóloga. Especialista em Violência Doméstica. Mestranda em Psicologia e Saúde Mental.

Diferentes vivências atravessam a experiência de ser mulher no Brasil, entre as quais a violência assume lugar preponderante. Mulheres estão sujeitas à violência física, psicológica, moral, sexual e patrimonial, e são atingidas independentemente de classe, raça/etnia, idade, religião ou grau de escolaridade, mesmo que em proporções distintas.

Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP, 2023) apontam que, em 2022, houve um crescimento considerável de todas as formas de violência contra a mulher, as quais foram perpetradas, em sua maioria, por ex-companheiros ou companheiros. Cenários que expressam desigualdades de gênero e denunciam uma cultura machista e patriarcal, na qual os homens são convidados a responderem a um modelo de masculinidade que tem a violência como forma de afirmação.

O processo de reconhecimento de relações pautadas por dinâmicas de violência não é fácil, nem sempre há episódios de violência física. Além disso, mulheres são socializadas para acreditarem que o sucesso do relacionamento é sua responsabilidade, afinal, “a mulher sábia edifica a casa”. Por meio do processo de socialização, aprendem a naturalizar e silenciar as violências para manter as relações afetivas amorosas. Como pontua Zanello (2018, p. 84), “em nossa cultura, os homens aprendem a amar muitas coisas e as mulheres aprendem a amar, sobretudo, e principalmente, os homens”.

Dentre os fatores que contribuem para a permanência nestas relações, encontram-se: expectativa de mudança de comportamento, tendo em vista que a violência ocorre em ciclos (fases de tensão, explosão e lua de mel); sentimentos de vergonha e medo; rede de apoio frágil; dependência emocional/financeira; dissolução do “sonho de família”; bem como descrédito dos serviços que podem ofertar alguma segurança.

Notadamente, o rompimento de uma relação de violência é o momento de maior risco à vida da mulher, o que exige uma atuação efetiva e integrada dos dispositivos da rede de proteção. No entanto, após a denúncia, muitas mulheres percorrem um caminho tortuoso, no qual são revitimizadas sistematicamente, tendo sua palavra descredibilizada ou sendo culpabilizada pela violência sofrida.

Desta maneira, apesar das inovações ao ordenamento jurídico brasileiro trazidas pela Lei Maria da Penha e Lei do Feminicídio, há ainda muitos desafios para que a morte não seja o único desfecho. Faz-se mister apontar que as políticas de enfrentamento à violência contra a mulher ainda são pouco efetivadas pelos serviços especializados. Há ausência de profissionais capacitados, recursos financeiros e ações intersetoriais. Faltam, sobretudo, estratégias de prevenção que incidam na origem das diversas expressões das violências e que envolvam as únicas pessoas capazes de evitar a ocorrência delas, os autores de violência.

Enquanto isto, mulheres seguem vitimadas, marginalizadas e privadas de seus direitos. Até que a morte os separe?